domingo, 5 de julho de 2020

TRANSPORTE ATIVO: ALTERNATIVA EMERGENCIAL OU PARTE DE UMA POLÍTICA ?

Como foi apresentado no artigo anterior, em algumas cidades foram adotadas ações voltadas ao Transporte Ativo, com a ampliação de ciclovias como alternativa de deslocamentos, visando enfrentar os desafios ao  Sistema de Mobilidade, impostos como consequência da pandemia pelo Coronavírus. O isolamento social estabelecido, com a adoção de protocolos impondo a limitação de quantidade de passageiros em veículos de transporte coletivo, fez com que alguns gestores buscassem no transporte ativo, notadamente o cicloviário, como uma alternativa.

Mas aí fica a pergunta: Essas ações farão parte de uma alternativa emergencial ou serão parte de uma política consistente de incentivo ao transporte ativo?


O mundo no pós-pandemia deverá ser outro. Ao menos por um bom período, considerando-se que o ciclo natural de contágio, como qualquer outro, é passível de novas levas de casos, além dos diferentes momentos de pico nas cidades. Isso tudo estará levando à possibilidade de mudanças de comportamento e principalmente temores de novos contágios por parte da população. E por menor que seja o percentual de pessoas que evitem o transporte coletivo, trará consequências para a mobilidade urbana. 

Uma delas, num primeiro momento, será o aumento da utilização do transporte individual, o que com a volta gradual dos deslocamentos das pessoas, será um complicador para a circulação nas vias, pois a grande utilização de automóveis e motos, trazem, invariavelmente, como consequência, os congestionamentos. Essa "disputa" entre o transporte coletivo e o individual é, historicamente, um dos maiores problemas da mobilidade nas cidades.

O contraponto a essa disputa é o transporte ativo, definido na própria Política Nacional de Mobilidade, definida pela Lei 12.587/2012, como algo, juntamente com o transporte coletivo, que deve ser priorizado pelas gestões municipais. E justamente por isso, é que a resposta à pergunta do título é que o transporte ativo deve ser parte da Política de Mobilidade, nas cidades. 

O Transporte Ativo, além de ser uma excelente forma de se propiciar deslocamentos saudáveis à população, tem que estar integrado no conjunto de soluções de mobilidade. E quando digo integrado, falo literalmente. Principalmente com o transporte coletivo.

Ciclovias, bicicletários, compartilhamento de bicicletas, são soluções necessárias à essa integração. Começando pela disponibilidade de ciclovias, devidamente concebidas, protegendo os usuários e possibilitando o acesso a comércio, terminais de transporte coletivo e equipamentos públicos, como escolas, hospitais, dentre outros. Os bicicletários possibilitam a inserção da bicicleta aos pontos de interesse nos deslocamentos. E o compartilhamento de bicicletas é a forma de propiciar maior uso pelas pessoas, democratizar a oferta como serviço e até mesmo incentivar a utilização. Isso sem contar a utilização no transporte de cargas, notadamente de entregas. O cenário da logística de entregas envolve a crescente utilização de bicicletas.  

Para que isso ocorra os gestores dos municípios precisam investir no planejamento da mobilidade, que a Lei já determina que seja implementado através da elaboração dos planos de mobilidade urbana. E que esses planos estejam também integrados aos planos diretores e a eventuais estudos específicos de propostas cicloviárias, que aliás não deveriam ser feitos de forma isolada, mas dentro da política para a mobilidade, mas não como um apêndice, mas como uma das prioridades. 

Além disso, o planejamento do transporte ativo também precisa prever a potencialização das condições do deslocamento a pé, com a melhoria dos padrões construtivos de calçadas, sua manutenção e seguindo as exigências legais quanto à acessibilidade, muitas vezes exigida para os veículos de transporte coletivo e desprezada no espaço viário destinado à circulação de pedestres. 

Outrossim, diante do crescimento do interesse pela utilização das bicicletas, aumentando o número de usuários, de uma análise do perfil desses usuários verificando-se até mesmo a situação de vulnerabilidade social de parte desses usuários, há a necessidade de se investir na Educação de Trânsito, com foco no usuário de bicicleta. Muitos deles não são habilitados e desconhecem a legislação de trânsito, seus direitos e deveres, e a importância do auto reconhecimento como agente ativo da mobilidade urbana.

Como pode ser observado, há muito por fazer para integrar a bicicleta na Política de Mobilidade Urbana. E aproveitando o momento eleitoral, a sociedade precisa cobrar o compromisso de atuais e futuros gestores e legisladores quanto à questão, cobrando a elaboração de Planos de Mobilidade Urbana, tendo o Transporte Ativo, juntamente com o Transporte Coletivo, como prioridade.

quinta-feira, 2 de julho de 2020

NOVOS CENÁRIOS PARA A MOBILIDADE URBANA

Pode parecer repetitivo, mas neste artigo vou tratar novamente de cenários para a Mobilidade Urbana, frente à pandemia gerada pela doença Covid-19, assim como fiz no artigo anterior. Só não coloquei o mesmo título (2/2) por razões estéticas. Mas o tema é o mesmo, dada a relevância para uma das atividades mais importantes nesta retomada da vida "normal".



Importante destacar que essa retomada, entre os estados do Brasil, ou mesmo entre cidades e regiões de um mesmo estado, vai se dar em formatos diferentes, sendo que em alguns locais, como foi em Porto Alegre, poderá haver a ocorrência "novas ondas" de casos dessa doença pandêmica, portanto não há "receita pronta" quanto às medidas a serem adotadas nesse novo momento.

Também vale ressaltar, como de praxe, não há qualquer interesse em entrar na questão ideológica que, infelizmente, vem norteando as discussões acerca do problema e suas causas. O objetivo, é discutir os efeitos.

Tive a oportunidade de participar, como ouvinte, em 02.07, convidado por um professor da Universidade Federal de Pernambuco, de uma reunião com representantes de cidades como Madrid, Porto Alegre, Belo Horizonte, Goiânia, Fortaleza, Vitória, dentre outras, onde os gestores dessas localidades explanaram um pouco o que ocorreu, o que fizeram e o que esperam daqui por diante. Vou tentar resumir, não particularizando, essas informações.

Antes, um preâmbulo sobre os sistemas de transportes, notadamente o coletivo, primordiais para o conjunto de situações que envolvem a Mobilidade Urbana. Já estavam, antes da pandemia, em situação complicada do ponto de vista da sustentabilidade do setor. Por vários aspectos, que aqui neste texto, não há condições de aprofundar, mas cito alguns: 
  • Ausência de Planejamento da Mobilidade Urbana, envolvendo a concepção de novas redes e sistemas. Muitas cidades ainda não elaboraram seus Planos de Mobilidade Urbana, exigência da Lei 12.587/12, que instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana;
  • Falta de investimentos no Transporte Público Coletivo, o qual atende à cerca de 70% da população (lembram da CIDE?);
  • O modelo de remuneração das operadoras de transporte, baseado, com raras exceções, na tarifa pública, ou seja, quem remunera as empresas é o próprio usuário direto, ou empregadores, adquirentes do vale transporte aos seus funcionários; 
  • A dificuldade de se promover a prioridade a esse importante modal de transporte, ou mesmo a incapacidade e/ou falta de vontade de gestores públicos (sem generalizar, obviamente) e até mesmo por não ser o objeto de interesse de parte da sociedade, principalmente dos formadores de opinião;
  • Incapacidade de gestão, pelo Poder Público, dos sistemas. Muitos com irregularidade na delegação das permissões para as empresas, pois não houve licitação, exigência legal para essa delegação;
  • Redução gradativa da demanda de passageiros, pelo advento de novos usos e costumes, tecnologias e realidades, tais como o transporte remunerado individual, mas também pela falta de capacidade de pagamento da população.
  • Dentre outros (muitos outros!)


Passemos a alguns relatos nos locais supracitados. 

Grosso modo, houve uma grande redução de serviços durante os últimos meses, obviamente por conta da restrição de circulação de pessoas nas cidades, medidas de redução das atividades, ou mesmo pelo recolhimento voluntário das pessoas às suas casas. Em média, houve uma redução de 70% da já combalida demanda de passageiros e redução não proporcional da frota em operação, em muitos casos, esses veículos parados sendo parte de financiamento, portanto ainda sendo pagos.

Os custos de operação diminuíram, face à diminuição dos congestionamentos, permitindo menos frota alocada para suprir as programações horárias, porém os custos fixos, em contraponto, pouco foram alterados, implicando em dificuldades financeiras das empresas. Houve redução de quadros, por conta de redução no fator de utilização referente ao pessoal de operação, e de cobradores, pois, em alguns casos, passaram a operar sem aceitar pagamentos em espécie, ou sem os mesmos, apesar do agravamento do problema social, e dos custos com essas demissões. Algumas cidades só permitiram os ônibus saírem dos principais terminais com passageiros sentados, mas com dificuldades de se controlar isso nos terminais de subúrbios. Além disso se investiu em treinamento para esses novos comportamentos pelos funcionários.

Por outro lado, houve a necessidade em investimentos em limpeza e produtos de higiene, proteção individual e coletiva para funcionários e passageiros. Houve até mesmo redução de funcionários, por enquadramento nos grupos de riscos e por doença e falecimento. Houve também investimentos em testes para identificar a doença, com aplicações periódicas.

Mas talvez o mais importante foram os relatos das experiências e ações implementadas e algumas propostas para revisão das práticas de "atendimento" à população (vamos ver se isso vai se realizar mesmo). Foram os seguintes relatos:

  • Determinação da redução da taxa de ocupação nos veículos, inicialmente por conta da necessidade do isolamento social, mas, em algumas cidades com a promessa de isso se estender por alguns meses, mesmo após a retomada da dita normalidade. Esse, sem dúvida, é um dos principais problemas do transporte, pois, invariavelmente é a maior reclamação dos usuários e principal fator de não atratividade para utilização do transporte coletivo. A ressalva é como isso irá se traduzir na relação receitas-custos.
  • Aumento de faixas exclusivas para transporte coletivo, algumas implantadas durante a pandemia, facilitada pela diminuição de veículos nas ruas, possibilitando a execução de maneira mais célere. Por mais questionada que possa ser, essa ação é parte da pretendida prioridade ao transporte coletivo, como uma Política Pública. A parcela da população, usuária do transporte individual, estará sempre refratária a essa ideia, mas não há outra saída para otimização da operação do modal coletivo, e principalmente para oferta de qualidade. Lembrando que o modal coletivo transporta cerca de 70% da população nas grandes cidades.
  • Foi relatado por um dos gestores, que num dos estados o governo fez um acordo com o setor e passou a adquirir todo o diesel, diretamente à produtora de combustível, reduzindo em 40% o custo para o Sistema, pois devido à escala de compra, conseguiu essa relevante redução. Outros locais, praticaram a desoneração de impostos referente ao combustível para o transporte coletivo.
  • Negociação com setores de produção, a partir do momento de retomada dos serviços, para flexibilização de horários visando promover o espraiamento dos horários de pico, ou seja, reduzindo o impacto gerado nesses horários, onde, por conta da redução da velocidade comercial dos veículos de transporte coletivo, que por falta de prioridade ficam "disputando" espaço com os veículos particulares, geram maior alocação de frota para cumprir a mesma quantidade de viagens em relação aos horários onde o volume de tráfego é menor. Como exemplo foi a construção civil iniciando suas atividades a partir de 9h. Isso diminui necessidade de frota, ou permite a melhoria no atendimento. Ou ambos, conforme o caso. Essa medida tem consequência na diminuição do custo e/ou possibilidade de melhoria no atendimento.
  • Incentivo ao transporte Ativo: a pé e bicicletaAmpliação da malha cicloviária, inicialmente com ciclovias emergenciais, mas para garantir o isolamento social, mas como uma alternativa à mobilidade urbana. Ampliação e incentivo ao uso de bicicletas compartilhadas. Aumento na infraestrutura: bicicletários, integração com transporte coletivo, etc.
  • Com base na MP 936, onde foi criado o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, possibilidade de redução de salários, consequentemente dos custos do Sistema. Essa medida, juntamente com outras, voltadas à redução de custos, propiciou a redução da tarifa técnica, ou seja, a tarifa de remuneração necessária, diminuindo o prejuízo.

Alguns desses gestores apresentaram ainda propostas para o Setor:

  • Criação do Sistema Único de Mobilidade, com o incremento de investimentos no Transporte Público Coletivo, como forma de reduzir o modelo de remuneração perverso com os usuários, uma vez, como dissemos, na maioria dos sistemas são eles quem remuneram os custos das empresas, através da tarifa pública, e insuficientes para as empresas, pois nem sempre a tarifa técnica (a necessária para cobrir os custos) é aplicada, e sim a tarifa pública (muitas vezes por conveniência política, às vezes até negado o aumento, por conta dessa conveniência).  
  • Ampliação de receitas, para o Sistema, não necessariamente as empresas, através de instrumentos de equilíbrio de responsabilidades e financiamento do Transporte Público Coletivo, com a adoção de taxas ou outras formas de sustentabilidade a esse modal. Foi sugerida a "Tarifa de Congestionamento", que nada mais é do que um pedágio urbano, assim como acontece em grandes cidades de Europa.
  • Aumento do financiamento do Vale Transporte, como forma de subsídio ao Transporte Coletivo, estabelecendo que, através da adesão de empresas, com a implantação de um desconto compulsório em folha de todos os funcionários, e não somente os usuários do vale transporte, permitindo, em contrapartida, que todos os funcionários tenham acesso gratuito ao transporte coletivo. Isso reduziria o valor pago pelos funcionários de menor renda e ainda podendo promover a inserção de novos usuários no transporte coletivo, uma vez que já teriam valores descontados no salário. Meio impositiva, mas foi uma proposta colocada.
  • Investimento no Transporte Ativo, possibilitando a ampliação da malha cicloviária, como alternativa, inclusive sadia, de deslocamento das pessoas.
  • Avaliação da prestação do serviço, com mudança de paradigmas, muito planejamento (lembro a importância das cidades elaborarem seu Plano de Mobilidade Urbana); investimentos em tecnologia e inovação voltados à prestação do serviço, fiscalização, controle, facilidade de acesso e melhoria da qualidade.

Estão aí colocadas algumas das sugestões. Obviamente há a necessidade de uma ampla discussão. Mas é exatamente isso que se faz necessário, discutir políticas públicas com a sociedade, envolvendo-a nos problemas, de forma transparente e objetiva, na busca de soluções coletivas para a melhoria da qualidade de vida de todos.

Foi consenso que, tudo o que vem ocorrendo serve de aprendizado, que acelere o "debruçar" sobre os problemas em busca dessas soluções. E a perspectiva é que tenhamos uma outra forma de utilizar as cidades, notadamente com a visão da importância dos transportes coletivos e ativo, havendo a necessidade da união da sociedade para transformar essas cidades em espaços mais humanos, democráticos e sustentáveis.

Ideia que eu comungo.

Desculpem pelo texto excessivamente longo. Mas o tema e quantidade de informações assim o exigiram.


Artigo by IVAN CARLOS CUNHA

     

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