Um dos maiores problemas urbanos, sem dúvida, é a mobilidade urbana, com todos os seus sistemas inerentes. E o seu maior problema é a (falta) de gestão. É sobre isso que iremos discorrer.
Se é que é possível fazer uma abordagem cronológica da mobilidade, pode-se considerar que no Brasil, a Constituição de 1934 deu início à abordagem sobre competências públicas ao designar como atribuição da União a prerrogativa de "estabelecer o plano nacional de viação férrea e o de estradas de rodagem, e regulamentar o tráfego rodoviário interestadual". O uso do automóvel já começava a promover a necessidade de gestão.
A partir da década de 60, foi intensificada a inserção da gestão pública nas políticas de mobilidade, com o advento dos planos diretores urbanos e com a criação e atuação da principal instituição nacional de planejamento de transportes, que foi o Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes - GEIPOT, posteriormente denominado de Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes, até hoje uma referência com sua planilha de cálculo tarifário. O Geipot teve grande importância no apoio técnico e administrativo aos órgãos do Poder Executivo, em todas as instâncias, sendo hoje, profundamente lamentada a sua extinção.
A partir dos anos 70 e 80, parte dos municípios brasileiros, começou a realizar a gestão dos seus sistemas de transporte, principalmente nos modais transporte coletivo e transporte individual por táxi. Alguns órgãos gestores, notadamente das maiores cidades, passaram a ter um relativo desenvolvimento técnico, parte deles com razoável destaque. Um fator relevante nesse processo de gestão, à época, com ênfase no transporte, foi o modelo de prescrição dos serviços. Leis, decretos, regulamentos, portarias, ordens de serviço de operação emitidos nesse período se baseavam num modelo extremamente prescritivo. Particularizando para as ordens de serviço de operação emitidas para as empresas, definindo parâmetros de operação de uma linha, rede de linhas e de todo um sistema, com a definição de itinerários, quadros de horário, horário da previsão de repouso dos profissionais da operação, até intervalo de refeição. O grande problema desse modelo prescritivo é a incapacidade dos municípios, por razões técnicas, operacionais, financeiras e de desenvolvimento de processos capazes de propiciar o devido acompanhamento, monitoramento e punição em relação à prestação desses serviços.
Com o advento do Código de Trânsito Brasileiro - CTB, de 23 de setembro de 1997, ficaram melhor delineadas as competências Federal, estaduais e, principalmente, municipais, na gestão do trânsito. A obrigatoriedade dos municípios se integrarem ao Sistema Nacional de Trânsito - SNT, uma vez que os mesmos não são membros natos desse Sistema, ampliou a quantidade de municípios fazendo a gestão do trânsito, muito embora, no momento em que é escrito este artigo, apenas 24,26% (1.350 de 5.564) dos municípios do País estão "municipalizados". Em Pernambuco o percentual é menor, com 22,28% (41 de 184) municípios integrados.
Talvez, a grande causa desses reduzidos percentuais seja a não obrigatoriedade de integração ao SNT. Não há sanção alguma para os gestores que não buscam realizar a gestão do trânsito. Vale salientar ainda, que muitos municípios integrados, não realizam, de forma concreta, a gestão do trânsito. Além disso, apesar de ser um sistema nacional, não há, sistematicamente, uma integração satisfatória entre os entes. Muitos municípios são meros arrecadadores de multas de trânsito, nem sempre com os recursos devidamente investidos. Há, no próprio CTB, uma definição sobre a destinação dos recursos provenientes de multas. E aqui não há intenção em reforçar o discurso dos infratores contumazes da "indústria da multa". Mas esse discurso é, justamente, reforçado por não haver investimento, em educação de trânsito. O resultado dessa "gestão" do trânsito pelo conjunto dos municípios é que o trânsito mata, deixa sequelados e contribui com o caos nas emergências dos hospitais nas maiores cidades.
Vale o registro que há recursos para serem aplicados na educação do trânsito. 5% de cada multa arrecadada vão para o FUNSET - Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito. Esse montante de recursos arrecadados já foram até utilizados para "forjar" superávit primário de governos passados. Poucos municípios acessam os recursos desse fundo. Muitos não o fazem por incapacidade de elaborar projetos, dentro das diretrizes definidas pelo Denatran (atual Secretaria Nacional de Trânsito). Em alguns casos a dificuldade é política.
Em 2012 um novo alento para a gestão do trânsito e do transporte no País. A Lei 12.587/2012, instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana. Dentre outras coisas, definiu um prazo de 03 (três) anos para os municípios construírem seus planos de mobilidade urbana - PlanMob, segundo princípios, diretrizes, e principalmente tendo como prioridades o transporte coletivo e o transporte ativo, por bicicleta e a pé. Sucessivos adiamentos do prazo para elaboração dos PlanMob´s, contribuem para a não atenção à essa obrigatoriedade, embora haja a previsão de que os municípios que não aprovaram seus planos, somente poderão solicitar e receber recursos federais destinados à mobilidade urbana, caso sejam utilizados para a elaboração do próprio plano. Os prazos em vigor, até o momento, são:
- 12 de abril de 2022, para municípios com mais de 250 mil habitantes;
- 12 de abril de 2023, para municípios com menos de 250 mil habitantes.
Embora não se tenha a devida transparência sobre a quantidade de municípios que já elaboraram o PlanMob, sabe-se que muitos municípios ainda não o fizeram, notadamente nas regiões nordeste e norte, o que poderá, infelizmente, levar a novo adiamento desses prazos.
Finalizando, esse breve histórico da gestão do trânsito e do transporte, ou de forma mais sistêmica, da mobilidade urbana, é um pequeno recorte dos problemas e suas causas que levam a resultados inexpressivos na que deveria ser uma das mais relevantes políticas públicas do País. Não há como não associar esses problemas à péssima condução da gestão pública, nas suas diversas instâncias. E, sempre buscaremos evidenciar essas situações. Orientar gestores. Propagar conhecimento sobre a temática.
Mobilidade Urbana é Engenharia, é planejamento, é operação, é educação, é tecnologia. É tudo isso junto. Em síntese, MOBILIDADE É GESTÃO !!!!
Artigo by IVAN CARLOS CUNHA