quarta-feira, 12 de agosto de 2015

ATUAÇÃO NO TRÂNSITO POR GUARDAS MUNICIPAIS

A discussão sobre as prerrogativas do poder de atuar e autuar como agentes de trânsito começou com o advento do próprio Código de Trânsito Brasileiro - CTB, instituído pela Lei Federal N.º 9.503/97, que entrou em vigor em meados de 1998. A partir daí a primeira discussão se deu com a paulatina retirada das Polícias Militares, através de seus Batalhões específicos de operações de trânsito. Cito como exemplo a cidade do Recife, que ao assumir a gestão do trânsito em 2003, ainda passou por um período de transição no ano anterior, com a Polícia Militar.

Essa transição e a efetiva assunção do trânsito pelos municípios se deu, a princípio, com o questionamento sobre qual instituição estaria mais indicada a exercer tais prerrogativas. Em algumas cidades que se integraram ao Sistema Nacional de Trânsito - SNT antes de Recife houve questionamentos quanto à utilização de agentes de trânsito vinculados à empresas públicas de direito privado, como foi o caso da ETTUSA, em Fortaleza, que se defrontou com um processo judicial, tendo como base o conflito de interesses por se tratar de uma empresa pública, de direito privado, inclusive com possibilidade de efeitos Ex tunc em relação às autuações realizadas pelos agentes de uma empresa de capital misto, ou seja, a devolução dos valores arrecadados por aquele órgão gestor, embora esse tipo de empresa fosse utilizado em várias cidades, como a BHTRANS, em Belo Horizonte. Esse questionamento, inclusive, serviu de referência e reflexões, quando do processo de "municipalização" do trânsito pela Prefeitura do Recife, que optou pela utilização da Guarda Municipal, vinculada à Administração Direta, tendo à época a Secretaria de Serviços Públicos como Órgão Executivo Municipal de Trânsito (hoje é a Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano) e a Companhia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife - CTTU/Recife, da qual eu era Diretor Presidente, à época, como órgão de planejamento, com o exercício da Engenharia de Tráfego, Educação de Trânsito, planejamento da operação e demais atividade, à exceção da fiscalização, exercida por um contingente da Guarda sob sua coordenação, devidamente capacitado. Fortaleza resolveu o seu problema com a criação de uma autarquia, que passou a responder como Órgão Executivo de Trânsito.

Após esses entraves iniciais, já com a maturidade do processo de "municipalização" do trânsito no Brasil, os questionamentos passaram a ser atribuídos à utilização das Guardas Municipais, justamente a solução utilizada em Recife. O Departamento Nacional de Trânsito - DENATRAN, órgão máximo executivo de trânsito da União, passou a não homologar a integração ao SNT de municípios que apresentassem com agentes de trânsito guardas municipais, se baseando num parecer da Procuradoria Geral da União e, posteriormente, em diversos pareceres institucionais. Essa exigência gerou a necessidade da realização de concurso público específico para Agentes de Trânsito por municípios cada vez mais "estrangulados" pela Lei de Responsabilidade Fiscal, submetidos a um pacto federativo injusto e ainda a tresloucadas medidas de "geração" de empregos, através do incentivo à indústria automobilística, com a redução do IPI dos automóveis, aumentando a utilização do modo individual de transporte e com reflexo imediato na redução de verbas federais a esses municípios, agravando os problemas da Lei de Responsabilidade Fiscal, citada anteriormente.

Talvez seja esse um dos motivos de se ter no Brasil pouco mais de 25% (vinte e cinco por cento) de municípios integrados ao SNT. Mesmo que esse conjunto de cidades represente a maior parte da população e frota registrada, é muito pequeno o percentual, fazendo com que uma parte considerável da população viva em locais sem o cumprimento da legislação, agravando os problemas de acidentes de trânsito. Isso sem falar na "qualidade" da gestão de parte desse universo de municípios integrados.

Grosso modo, o questionamento quanto à utilização das Guardas Municipais se dava com base na assertiva que essas corporações seriam desprovidas de competência para atuar no campo da segurança pública, não podendo ser investidas de natureza policial e de fiscalização do trânsito, com o entendimento que sua atuação estaria restrita à proteção dos bens, serviço e instalações do ente municipal. Visão distorcida, pois a atividade do Agente de Trânsito não teria, necessariamente, que incorporar a natureza policial. Outrossim refere-se à previsão constitucional de mudança de atribuições de funções de cargos públicos, com a ressalva da obrigatoriedade de concurso público, respeitadas as exceções anteriores à Constituição.

Essa situação, agora, muda com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal - STF que confirmou, no dia 06.08.2015, o poder da das Guardas Municipais de aplicar multas de infração de trânsito de âmbito municipal. A decisão respondeu a uma ação envolvendo a cidade de Belo Horizonte, porém o entendimento vale para qualquer município onde haja tal questionamento.

Cabe aos municípios que já estão integrados e aos que pretendem se integrar ao SNT a devida atenção ao treinamento e capacitação para o exercício das atribuições de Agente de Trânsito, lembrando que os mesmos não se resumem ao papel de "fiscais", sendo primordial que os órgãos municipais procedam a consolidação da gestão do trânsito, com o planejamento das ações, estruturação adequada e correta utilização dos recursos provenientes de atuações, taxas e emolumentos.

O grande problema que deve ser resolvido, ao meu ver, não é quem pode ou deve exercer a atividade de Agente de Trânsito, embora eu considere justa a liberação, teoricamente definitiva, para utilização das Guardas Municipais. O problema maior é GESTÃO. Aliás, deve-se buscar a Excelência de Gestão, como forma de proporcionar as condições necessárias para que os órgãos municipais de trânsito exerçam, de fato, a efetiva gestão, de acordo com as premissas da Política Nacional de Mobilidade Urbana, definida na Lei Federal N.º 12.587/12, que obriga municípios com mais de vinte mil habitantes a elaborarem um Plano de Mobilidade Urbana - PLANMOB.

Em uma próxima postagem abordarei com mais detalhes o PLANMOB.

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