Um ano depois volto a falar do mesmo assunto.
Antes de falar sobre aumentos de tarifa, é primordial falarmos sobre a política de transportes. Qualquer discussão que envolva essa política, começa pelos questionamentos à qualidade dos serviços oferecidos à população. Redes de transporte não adequadas às necessidades de deslocamento, não otimizadas, não racionais, sobrepostas e ineficientes. Embora, em muitos casos, esse conjunto de problemas é consequência de outras situações, como ausência de planejamento e controle urbanos, de zoneamentos que contemplem a disponibilidade de serviços, reduzindo a necessidade de deslocamento por transporte motorizado, dentre outros.
Essa qualidade também passa pelo próprio serviço. Veículos confortáveis; taxas de ocupação que proporcionem condições mínimas de transporte; operações com prioridade para o transporte coletivo; capacitação dos operadores; tecnologias de acesso, embarque, e de segurança, são exemplos do transporte pretendido pela população, e por que não dizer, pelos próprios operadores e gestores públicos.
Mas aí está o “x” do problema. A política tarifária praticada pela maioria das cidades e regiões metropolitanas é calcada na lógica de que a TARIFA representa a REMUNERAÇÃO dos operadores. E quem paga a tarifa é o usuário. E quem mais sente os efeitos de um aumento tarifário é aquele usuário mais desprovido de condição de pagar. É aquele que não tem um vale transporte, por estar desempregado ou subempregado. Mas todos sentem. Inclusive quem tem que, legalmente, pagar pelo vale transporte de seus funcionários. Aí inclusos, aqueles que têm que pagar aos trabalhadores domésticos. Há alguns anos foi criada a CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, taxa sobre os combustíveis, com previsão de haver investimentos no transporte coletivo. Infelizmente, ficou só no papel.
Então cabe uma reflexão: Saúde pública é gratuita para seus usuários. Educação pública é gratuita para seus usuários. Transporte público é PAGO pelos seus usuários. Não há uma política de subsídios, mesmo que não integral, para os sistemas de transporte. Quem paga é o usuário. Paga por um serviço ruim. E quando é bom, paga caro por veículos novos, por ar condicionado, por bilhetagem eletrônica, por tecnologia de segurança, enfim, por tudo que é “ofertado”. Acredito que as discussões, questionamentos, protestos deveriam se voltar, primordialmente, a rediscutir o que é um transporte PÚBLICO. Aí, boa parte dos problemas estaria resolvida.
Mas, enquanto não temos essa questão abordada e resolvida, a condução das discussões, pelo Poder Público, sobre tarifa deveria ser outra. A começar pela TRANSPARÊNCIA do conteúdo das planilhas. Essas planilhas deveriam ser completamente detalhadas para a sociedade entender e compreender como e porque os diversos itens são levantados, calculados e considerados. Para isso existem os Conselhos de Transporte. Deveria haver uma capacitação para esses representantes dos segmentos da sociedade, para que os mesmos não ficassem limitados a APROVADORES de tarifa, sem conhecimento real sobre o que estão aprovando. No próximo artigo irei explicar o cálculo tarifário.
Conhecida a planilha, importante medida é o Poder Público, efetivamente, acompanhar os custos dos sistemas de transporte. Todos os custos teriam que ser, mensalmente, acompanhados e auditados. Aí inclusos, consumos de combustível, peças, equipamentos, efetividade de utilização de mão-de-obra. Controle sobre a operação para verificação do cumprimento das viagens, muitas vezes negligenciado, por ausência de tecnologia, ou por incapacidade de fiscalização.
Tarifa é uma conta simples. Apuração dos custos e receitas. Então, além do controle dos custos, deve-se buscar as receitas, ou seja, os passageiros pagantes. Diante disso, outra questão fundamental é a necessidade de controle dos benefícios e gratuidades do sistema. O que vou falar agora talvez seja forte, mas é a realidade. Não gosto de generalizações, mas estamos num país de CORRUPTOS. Muitos querem levar vantagem. E no transporte não é diferente. Benefícios e gratuidades são, frequentemente, permitidos ou estabelecidos para pessoas que não têm direito aos mesmos. Quem nunca ouviu falar, ou mesmo já viu alguém com uma carteira de estudante, mesmo sem ser estudante. Pois é, esses “espertos” contribuem para a redução da receita, consequentemente, contribuindo para o aumento da tarifa. Existem tecnologias para isso. A bilhetagem eletrônica, com biometria facial é uma delas. Mas é cara. E quem paga? Isso eu já disse neste texto. Quem paga é o usuário. Aquele que não é desonesto. Proponho que seja feita uma verdadeira varredura para identificar instituições, “facilitadores” e usuários desonestos, com o devido tratamento jurídico. Essa situação é uma realidade, o Poder Público tem que fazer a sua parte. Além disso, tem um item importante e que muitos não conhecem. Trata-se do resíduo do que é vendido de passagens antecipadamente, em relação ao que efetivamente é consumido pelos usuários. Não é pouco dinheiro. Mas, devido ao aspecto polêmico, abordarei em um artigo futuro.
Outro problema que identifico é o tratamento político da tarifa. Muitos gestores dão aumento em percentuais que entendem ser convenientes. Uma planilha tarifária, segunda as premissas que levantei neste artigo, é pura matemática. Números não mentem. Mas o que acontece? Diante desse cenário, muito comum, empresários apresentam planilhas com valores acima do necessário (em função da falta de transparência e capacidade do Poder Público exercer seu papel fiscalizador), pois sabe que o gestor político vai dar um aumento menor. Isso quando esta situação já não é previamente acordada. Já prestei consultoria a operadores e tentei convencê-los de calcular a tarifa com uma planilha aberta, sem “travessuras” para ser apresentada ao Poder Público e, seja qual valor dê nesse cálculo, ir até a última instância, inclusive legal, para defender a planilha. Dois mais dois são quatro!!!
Alguns gestores não dão aumento em determinados períodos, como ano de eleição, por exemplo. Óbvio, que pelo que já vimos aqui, quem vai pagar por isso, no futuro, será o usuário. Além disso, plagiando o que disse o grande filósofo do futebol, Vampeta, “eles fingem que me pagam eu finjo que jogo”. No transporte também é assim. Se o Poder Público não estabelece a tarifa necessária, ou mesmo não dá um aumento num ano, o que acontece é a redução dos atendimentos, muitas vezes consentidos pelos gestores, deteriorando frota, reduzindo serviço, prejudicando a população.
Prometer um valor “x” em campanha eleitoral se coaduna com o que foi apresentado acima e é, ao meu ver, uma IRRESPONSABILIDADE sem tamanho. É brincar de fazer gestão. É prejudicar um sistema de transportes, seus operadores e a população que termina iludida com valores “simpáticos”. Mais uma vez fazendo alusão a uma frase feita: “não existe almoço de graça”. Se um sistema de transporte não tem sua tarifa CALCULADA da forma correta, sendo arbitrada sem o tratamento eminentemente técnico, o serviço não será executado como previsto. Não tem milagre.
Por fim, como sugestão, esse modelo de planilha, o qual deve ser próprio de cada cidade, pois existem diversos fatores que interferem nos índices e coeficientes que compõem a planilha, deve ser AUDITADO, por quaisquer instâncias que possam funcionar como mediadores desse “conflito”. Desta forma se chegaria a um modelo confiável, o que não isentaria o Poder Público de exercer seu papel fiscalizador. Outrossim, é importante registrar, que há empresários que são reféns desse conjunto de cenários que colocamos. Como já afirmei, não gosto de generalização. Há muitos empresários que gostariam de ter um valor de remuneração justo pelos serviços para os quais foram contratados. Não se deve imputar aos mesmos a única responsabilidade pelos problemas, pois essa responsabilidade é, em grande parte, do Poder Público, que exercendo seu papel, deve inclusive, estabelecer modelos de remuneração que contemplem, além da cobertura dos custos, a eficiência e a qualidade pelos serviços prestados.
Artigo by Ivan Carlos Cunha
Diretor de Consultoria e Engenharia da TCE
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