Por que deve haver gestão municipal dos Transportes Públicos?
Porque a importância e até mesmo a obrigatoriedade de se gerir transporte está na Constituição Federal.
Em 2015, inclusive, o tema passou a ser um direito social tal qual são educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção a maternidade e infância e assistência aos desamparados (modificação na redação dada pela Emenda Constitucional n.º90, de 2015).
Ainda na Constituição Federal, em seu artigo 30, inciso "V" há a designação do transporte coletivo como sendo essencial, conforme pode ser observado na transcrição desse trecho constitucional:
Art. 30. Compete aos Municípios
I- legislar sobre assuntos de interesse local;
...
V- organizar e prestar, diretamente ou sob o regime de concessão
ou permissão, os serviços público de interesse local, incluído o de
transporte coletivo, que tem carater essencial;
...
grifo nosso.
Essa natureza do transporte coletivo pressupõe a preocupação com a eficiência de gestão pelo poder público. Não se omitir. Fazer gestão, implementar um órgão gestor que tenha capacidade técnica para exercer a importante tarefa de planejar o transporte municipal de forma sistêmica, mas priorizando o transporte coletivo, pois há a concorrência com modos de transportes individuais, não sustentáveis economicamente ou ecologicamente, fato que contribui para o crescimento das desigualdades socioeconômicas e, consequentemente, para a degradação da qualidade de vida dos cidadãos.
O processo de urbanização nas últimas décadas, e em função de políticas de habitação equivocadas, quando houve a ocupação de áreas mais periféricas urbanas pelas classes sociais com rendas mais baixas, com consequências diretas para o serviço de transporte público urbano, gerou a necessidade de linhas de transporte coletivo muito extensas, com trechos sem a renovação de passageiros, cujo modo, talvez não fosse o rodoviário; sistemas de transporte com sobreposição de linhas; transporte clandestino tolerado; ausência de gestão ou incapacidade do Poder Público; dentre outros fatores, oneram os custos e impactam diretamente na tarifa que é praticada no transporte coletivo.
Em geral as boas práticas de política tarifária se baseiam no incentivo à integração com descontos entre linhas convencionais urbanas, inclusive temporais, sem a necessidade de terminais fechados, e na implantação de tarifas em bacias tronco-alimentadas. Vale salientar que há uma série de situações, além da tarifa, que determinam o comportamento da demanda do transporte público, tais como o nível de renda da população e a organização dos serviços ofertados aos usuários
O planejamento de transportes é algo fundamental para a obtenção do êxito no atendimento às premissas básicas do transporte público, notadamente as questões de qualidade, frequência, economicidade e modicidade tarifária. Pode ser delimitado em duas instâncias: a essencialmente pública, que é o planejamento estratégico, e a pública e privada, no caso do planejamento operacional. O planejamento estratégico de transportes está relacionado com os objetivos de longo prazo estabelecidos para as cidades. Geralmente abrangendo a aglomeração urbana como um todo, determinado o conjunto de redes modais de transportes, o quadro institucional e o sistema econômico-financeiro requeridos para a implantação da operação. O planejamento operacional de transportes volta-se aos objetivos de curto prazo, tais como planejamento da operação de linhas, terminais, sinalização, assim como situações conjunturais de ambiente urbano e do mercado de transporte. O planejamento operacional, bem como sua execução, pode ser executado pelo próprio Poder Público, como também para operadores privados, mediante processo licitatório, seja para operação propriamente dita, como também para administração de terminais, sistemas, etc.
A Operação do Transporte está extremamente ligada à questão espacial interna (garagem) e externa (vias e terminais). Pressupõe, quando há efetiva gestão pelo Poder Público, que a concorrência se dê para a prestação dos serviços e não quando da prestação desses serviços. Quando se dá durante é por superposição de serviços e/ou por existência de concorrentes não legais, ou “piratas”. O setor administrativo cuida, a partir da garagem da empresa de ônibus, do suporte às áreas de manutenção e operação. A manutenção providencia os veículos, que devem estar em perfeito estado para sua utilização nas linhas e na produção do serviço de transporte. A equipe de operação realiza os serviços da linha, sendo necessários o motorista, cobrador, despachante, fiscal e inspetor. A organização do trabalho se verifica a partir do despachante, que tem a função de controlar e registrar o fluxo de veículos, a movimentação de pessoal de operação, dando suporte à garagem sobre quaisquer alterações significativas no serviço, com base no planejamento realizado para cada linha, que apresenta peculiaridades relativas a horários, itinerários, tipo de veículo e esquema de folga, mas também advindas da configuração rede, grupo socioeconômico e cultural de passageiros, características urbanas, passageiros por trecho e viagem, a condição de tráfego nas vias etc.
A área de manutenção de uma empresa operada de ônibus tem um papel decisivo na operação e nos resultados da empresa, podendo ser responsável pela competitividade e responsável por parte dos impactos econômicos provenientes dos resultados operacionais. Também é ferramenta para a garantia da qualidade dos serviços, cumprimento dos serviços prescritos (viagem e horários) e rendimento geral dos veículos utilizados na operação. Divide-se em manutenção preventiva ou programada, e corretiva ou de reparação.
A questão da Política Tarifária em sistemas de transportes no País, notadamente o coletivo, pressupõe, para o seu entendimento, a compreensão e avaliação dos marcos regulatórios e outros fundamentos específicos, definidos por normas, códigos legais, e até mesmo convenções, desenvolvidos e implementados ao longo do processo histórico da gestão do transporte público coletivo. A tarifa de remuneração da prestação do serviço de transporte público coletivo é obtida de forma a cobrir os reais custos do serviço prestado ao usuário por operador público ou privado, além da remuneração do prestador. Devendo ser contabilizadas todas as receitas, inclusive não tarifárias, e subsídios diretos e indiretos, tendo seus reajustes definidos pelo Poder Público, sempre com a garantia do equilíbrio econômico financeiro dos contratos de delegação aos entes privados.
Poderia me estender, falando de sistemas de qualidade, tecnologia, dentre outros aspectos relevantes à gestão do transporte municipal. Outrossim, do ponto de vista de se estabelecer o tamanho do Estado, ou seja, qual o papel do Poder Público, acredito que, em linhas gerais, é o de ter uma visão sistêmica e holística, definindo padrões, regras, normas e legislação; ser capaz de fiscalizar adequadamente o cumprimento da prescrição dos serviços, atendimento à demanda e coibição de fraudes de operadores e usuários; definir, de forma mais democrática a utilização dos espaços públicos pelas diferentes formas de transporte, e promover o transporte EFETIVAMENTE público.
Voltando ao título do artigo, todo esse conjunto de obrigações é, na maioria dos municípios, NEGLIGENCIADO pelos Prefeitos, seja por ignorância, seja por incapacidade, ou ainda por não querer mexer nessa "casa de marimbondos". A população que fique à mercê do transporte de péssima qualidade; de operadores desqualificados ou mesmo clandestinos; de tarifas não condizentes com os serviços prestados; de ausência de política tarifária; incapacidade de rever o planejamento urbano, que propicie sistemas mais otimizados e com custos mais adequados; etc
O Ministério Público também é OMISSO. Não fiscaliza adequadamente, muitas vezes se "apegando" a questões não relevantes, ou, apenas servindo de vazão para questionamentos e denúncias com base política e não com a visão e a análise técnicas. Ou seja, agem naquilo que não deveriam e deixam de verificar o que é preciso.
Outro grande desafio é a redução do número de passageiros no transporte coletivo (faremos, em breve, um artigo sobre essa questão.
A obrigatoriedade dos municípios com mais de vinte mil habitantes elaborarem um Plano de Mobilidade Urbana, focando no transporte coletivo e no transporte não motorizado, é uma esperança de dias melhores. Já escrevemos sobre PLANMOB, mas voltaremos a escrever, pois há aspectos que precisam ser abordados.
Mas ainda estamos muito longe disso. Infelizmente.
Artigo by IVAN CARLOS CUNHA
Diretor de Consultoria e Engenharia da MODUS Gestão e Mobilidade